Um esporte radical

Leo de Sá Fernandes
14 min readJun 18, 2024
Fonte: Layering (1974–76), Susan Rothenberg

Os praticantes de Blind Crossing são uns incompreendidos. O pouco que se fala na mídia sobre o assunto é carregado de uma dose de sensacionalismo, como se por trás dos discursos meramente informativos houvesse sempre a necessidade de conscientizar o público em geral sobre os perigos dessa prática esportiva. Não que tal perigo não seja real: os vídeos compartilhados ad nauseam nas redes sociais, com foco nos shorts, nos reels e no Tik Tok, enfatizam os momentos em que seus praticantes são atingidos pelos carros — e, na contramão do que pareceria óbvio, o Blind Crossing vem ganhando cada vez mais adeptos, inicialmente tímidos, mas ousados — porque, de fato, boa parte dos competidores no Blind Crossing sabem que, em algum momento, serão atingidos por carros. Mas, quando Vini V., ou “@viniviolência”, como é conhecido na comunidade, adentrou a pista da Marginal Pinheiros, devidamente vendado, na última quarta-feira, é difícil dizer se ele achava que realmente seria atingido como tantos outros. Vini V. é um dos astros em ascensão entre os blindcrossers brasileiros e, no momento em que passa por uma delicada cirurgia para lidar com o seu traumatismo craniano, a comunidade de blindcrossers — ao lado de seus amigos e familiares — chora.

“Ele tem mania de se machucar”, sempre disse dona Dolores, sua mãe. Dona Dolores é uma mulher simpática, magra, negra, na casa dos seus 58 anos. Trabalhou a vida inteira como empregada doméstica e criou o filho sozinha. Quando descobriu o que de fato envolvia a tal atividade na qual ele estava se destacando, não soube como reagir. Primeiro deu uns bons tapas no @viniviolência — nascido Vinícius Oliveira dos Santos — então fez o moleque jurar que nunca mais participaria daquela coisa, que só tinha como terminar em tragédia. Depois, rezou. Não soube o que fazer. “Mania de se machucar!”. Mas no últimos dois anos, a medida em que o nome de Vini V. foi ganhando destaque também na comunidade internacional de Blind Crossing, ela viu o patrocínio chegar e sua vida se transformar: mudaram, da casinha alugada em Vila Valqueire, subúrbio do Rio de Janeiro, para uma cobertura em Pinheiros, na capital paulista. A popularidade do filho aumentou cada vez mais e Dona Dolores parou de trabalhar. Somente quando Vini V. foi convidado para competir em Los Angeles, e levou a mãe para os Estados Unidos, na primeira viagem internacional de ambos, Dona Dolores tomou coragem para finalmente assistir uma competição, com o coração na mão e a respiração na boca.

Viu Vini V. atravessar a barreira de proteção, e adentrar a pista do Venice Boulevard, a calça cargo bem folgada, a camiseta branca de manga comprida com o logo do patrocinador nas costas e os braços magros estendidos ao longo do corpo que, como sempre, davam a impressão de que eram ligeiramente maiores que o normal. Havia gente do mundo todo ali no Reynier Village, naquela que foi a terceira edição do Blind Crossing International Awards, e Dona Dolores finalmente pode sentir o peso e a seriedade daquilo que o filho praticava — e, pela primeira vez, sentir também certo orgulho daquele moleque que tanto tinha dado trabalho ao longo dos anos, largado a escola, se envolvido com coisa muito barra pesada, e em quem ela praticamente já havia perdido a esperança e entregado nas mãos de Deus.

Vini V. já tinha praticado de tudo: skate, patins, patinete, le parkour, motocross, tirado racha com os parceiros na Avenida Brasil de madrugada. Mas nada, absolutamente nada, nem mesmo o sexo, lhe deixava naquele estado cru, selvagem, em que sentia seus nervos todos se eletrizarem, serem atravessados por aquela carga de energia absoluta que lhe conectava todos os pontos do corpo internamente como se tivesse sendo mergulhado num banho de choque e orgasmo cósmico. Era assim que se sentia quando colocava a venda nos olhos e vestia, por cima dela, os óculos de natação que a pressionavam sobre a cara. Depois, quando seus sentidos se aguçavam e ouvia o ronco do primeiro motor se distanciar, ele intuía — pois não calculava, era mesmo uma questão de intuição — os segundos disponíveis para realizar a travessia de um lado a outro das quatro pistas até chegar intacto ao ponto de chegada. Quando finalmente tirava a venda e olhava, do outro lado, todos os espectadores ovacionando seu feito com as câmeras dos celulares em punho, ele era — não se sentia, era! — um semideus.

O Blind Crossing pode ser praticado em qualquer via de grande circulação, mas a categoria que realmente gera êxito e fama, e que mobiliza as competições, é justamente a mais perigosa: atravessar vias expressas de 4 pistas ou mais. Esses casos são organizados e divulgados por grupos de WhatsApp menos de 24 horas antes de sua realização visto que, aqui no Brasil, o esporte é proibido (depois da reportagem do Fantástico, o Ministério Público entrou com uma notificação para que a Polícia Civil descobrisse a rede). A competição só pára quando o primeiro competidor for atropelado, motivo de vergonha dentro da comunidade. O maior ídolo dos praticantes de Blind Crossing é o porto-riquenho Juan Ortega, conhecido como @juansinojos, famoso por ter se submetido a uma procedimento cirúrgico para perder a visão, a fim de se tornar mais sensível aos sons e estímulos sensoriais. A polêmica decisão de Ortega, contudo, lhe rendeu o título de primeiro lugar nas segunda e na terceira edição do Blind Crossing International Awards.

Em Los Angeles, @viniviolencia chegou a conhecer @juansinojos de perto, e não pode acreditar quando o ídolo, por trás dos óculos escuros, o reconheceu e o cumprimentou, na festa de encerramento, na casa de um dos patrocinadores na Rodeo Drive. “¡Tu performance fue asombrosa! No pude verla, por supuesto, pero sentí desde lejos la fuerza de tu presencia”, lhe disse Juan. Ainda bem que Dona Dolores se recusou a ir na festa, e tinha ficado no AirBnB. Ela não teria gostado nada de ver de perto o que o Blind Crossing havia causado ao ídolo de seu filho. Talvez tivesse se precipitado em afastá-lo do esporte no qual ele ganhava cada vez mais destaque internacional. Ou talvez não tivesse feito vista grossa e se deixado iludir. Mas de nada teria adiantado: teria apenas vivido com mais angústia os dias, sem aproveitar a mudança no padrão de vida, esperando ansiosa chegar o momento que, no fundo, todo praticante de Blind Crossing — e aqueles que os amam — sabe que pode acontecer: este quando, na última quarta-feira, um carro acertou em cheio o corpo de Vini V. no meio da Marginal Pinheiros, fazendo interromper a competição e quase lhe custando a vida.

*

“Vaso ruim não quebra…”, ele reconheceu a voz dela antes mesmo de ver sua imagem. O nome dela ele só descobriu depois do apelido, Fanta, por causa do cabelo laranja, que se destacava no meio dos torcedores acumulados no alto dos viadutos. Fanta era videomaker. Falou com ele depois do primeiro campeonato amador que ele participou, realizado na Av. Vieira Souto, de frente pra praia de Ipanema. Trocaram mensagens por DM no Instagram, mas só se viram novamente em São Paulo, um tempo depois. Engataram esse namoro aberto, esse relacionamento cheio de altos e baixos, com muito ciúme e muita briga, mas nenhuma traição, porque eram livres, os dois. Quando ela entrou no quarto, o cabelo laranja brilhou mais intenso refletindo a luz branco-hospital do lugar, e ele viu Dona Dolores de relance sair de fininho. Ficou feliz primeiro por ver Fanta ali, na beira da cama, a câmera na mão, mas logo fechou a cara quando entendeu o que ela queria.

“Você precisa falar com seu seguidores, Vinícius”, pronto!, quando ela chamava ele pelo nome era assim, mau sinal. Estava puta com ele, ele sabia. Ela era prática nesse negócio. Era Fanta quem administrava as páginas dele nas redes. Vini V. mal conseguia mexer a cabeça sem sentir dor. Estava quase todo imobilizado em cima daquela cama. “Cê tá doida? Não tá vendo meu estado não?”, ele resmungou. Não queria gravar vídeo porra nenhuma, queria era um beijo dela, um afago, alguma coisa. “Você vai ficar bom, eu tenho certeza. Em breve você vai voltar a competir”, ouviu a voz de Fanta dizer, ficando doce, sem conseguir olhar ela nos olhos mas sacando de imediato aquele tom, que ela sempre usava quando queria insistir numa ilusão pra não ter que lidar com a realidade. “Olha meu estado, Fanta! Olha pra mim… Tô todo fudido…”. Não sabia dizer se o pior eram as dores ou a memória cega do momento em que o carro o atingiu. Sentiu o impacto do corpo sendo lançado no ar e depois simplesmente apagou. Agora estava assim, naquele estado de debilidade e prostração, porque — e isso jamais admitiria — agora tinha adquirido aquela coisa espessa e invisível que afoga o sujeito mesmo fora d’água, que era o medo.

“A gente tem é que rezar, agradecer pra Deus, que ele saiu vivo dessa…”, dizia a mãe. “Eu sei, Dona Dolores, mas o Vinícius tem uma carreira”, retrucava Fanta. No café do hospital, nora e sogra se enfrentava cada uma a seu modo — Dona Dolores com sua simpatia simples, mas botando reparo nos cabelos, nas roupas curtas, nas tatuagens da namorada do filho; e ela, por sua vez, impaciente com a falta de praticidade da sogra. Mas ela queria o que, afinal? No fundo, era um misto de receio que seus planos de casal fossem por água abaixo. Nos últimos meses, ela estava conseguindo collabs para ele cada vez mais vantajosas; patrocínios, marcas, participações em podcasts. Fanta tinha feito Vini V. virar uma sensação, um ícone. Mas ela sabia que a comunidade do Blind Crossing não tolerava muito bem quando um competidor se acidentava. Aquele era um esporte radical para pessoas radicais que estavam muito conscientes dos riscos que corriam — que buscavam, inclusive, esse risco. De modo que (e Fanta já tinha visto acontecer) quando um blindcrosser era atingido, não recebia nenhum tipo de comiseração ou piedade — mas, pelo contrário, era rapidamente relegado ao ostracismo.

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Aquela não foi a primeira vez que Fanta ouviu falar da bellalux 10 mg, porque uma amiga sua — amiga não, uma influenciadora para quem ela prestava serviços e que havia feito uma abdominoplastia profunda — tinha usado no pós-operatório e dito que era babado. Contudo, quando o Dr. Paranhos sugeriu o medicamento, novo no mercado, e fez a prescrição, ela demorou pra ligar o nome à coisa. Foi só quando viu as pequenas pílulas arroxeadas, que pareciam com Skittles, que lembrou da descrição da “amiga”, que havia insistido com Fanta em ser fotografada usando um outfit roxo e tomando o remédio porque “era lilás, lindo, uma graça”. Fanta correu para a farmácia mais perto e @viniviolência começou seu tratamento com bellalux 10 mg sem nem mesmo Dona Dolores ser avisada. Só depois, antes de ir embora do apartamento, ela fez questão de explicar para a sogra — com calma, pra ver se ela entendia direito — “o Vinícius precisa tomar uma pílula a cada 12 horas, e precisa estar bem alimentado”. Dona Dolores consentiu e, também ela, achou o remédio lindo.

Os primeiros efeitos foram visíveis em menos de uma semana. Vini conseguiu finalmente levantar da cama sozinho, e até se dispôs a tomar banho. A dor, que nos últimos dois meses era uma constante, havia se tornado um incômodo. E mais importante: Dona Dolores viu no rosto do filho, depois de muito tempo, a evasão de uma sombra nublada que ele carregava desde que voltara a si, depois do acidente, na cama do hospital. Em duas semanas, já estava caminhando pelo apartamento, tomando sol na sacada. Nos dias em que Fanta não ia visitá-lo, ela e Dona Dolores se comunicavam por WhatsApp: “ele tomou?”, “tomou sim, minha filha”, “a senhora tá dando direitinho, né?”, “ô, minha filha, eu sou mãe…”, “tá certo… Ele tá como?”, “Ele tá jogando videogame…”. Fanta respirava aliviada. A tal da “amiga” tinha razão. O Dr. Paranhos também. O tal medicamento, a bellalux 10 mg, era mesmo um milagre.

Cerca de um mês depois, Vini V. tomou coragem e foi com Fanta, de carro, ela guiando, pela primeira vez, no trecho da Marginal Pinheiros onde tudo havia acontecido. Fanta insistiu, no começo ele não quis, mas depois cedeu, e eles gravaram um vídeo pro Instagram. Ele falou com os seguidores e disse que em breve estaria de volta. Ainda se movimentava com certa dificuldade, se apoiando nas muletas, mas o mais importante, que era a dor, havia finalmente passado. Era uma sensação de uma estranha beleza: ele sabia que o seu corpo ainda não estava recuperado, mas não sentia o peso dos hematomas, das fraturas, dos cortes, das costuras, nada. Sentia-se como uma lata de refrigerante que vai sendo aos poucos desamassada mas que, em sua própria condição alumínia, estava apenas sendo, estática, sem ter do que reclamar. Com o passar dos dias, é claro, foi percebendo que devia tudo àquele remédio: em certa ocasião, quando o frasco acabou e Fanta demorava a chegar, foi sentindo a meia-vida da última dose aos poucos se esmaecer. Sentado no sofá, jogando videogame, pela primeira vez depois de ter tido alta do hospital, foi sentindo um formigamento do corpo ir se convertendo em doloroso incômodo, e deste incômodo ir nascendo a certeza da dor se alargando. Quando Fanta chegou, tomou dois comprimidos de uma só vez e dormiu em paz, com ela do seu lado. Naquela madrugada, ele acordou excitado, ela ainda de pé, e os dois transaram feito loucos.

*

“Eu tenho uma notícia bombástica pra você. Eles tão querendo te patrocinar”. Vini V. não entendeu muito bem de quem ela falava, de início, quando apontava pra embalagem da bellalux 10 mg. Na verdade, só depois que Fanta disse o nome — (“Quimera Farmacêutica, baby! A empresa que produz a sua poção mágica!”) — que ele se ligou disso tudo: indústria, fábrica, etc…

— Mas eles querem me patrocinar pra que?

— Pro seu retorno ao Blind Crossing! Pro campeonato regional!

Ele sorriu de um modo incômodo. Vini V. ainda não se sentia pronto para voltar a competir. Porque, de algum modo, todas as experiências recentes — a falha, o trauma, a cura — pareciam ter desabilitado nele aquela sua capacidade antiga de se desafiar, aquele tesão que ele buscava (e encontrava) quando vestia a venda, colocava o óculos de natação por cima, e o ruído dos carros lhe atiçava os ouvidos. Mas Fanta era perspicaz e convincente: mostrou as planilhas, a grana que a tal Quimera Farmacêutica estava disposta a investir. Depois, mostrou o saldo da conta bancária, falou sobre os gastos desde a internação, explicou que ele estava em baixa, e que se ele recusasse essa oferta, era fim de carreira na certa. E pra não deixar dúvida a fim de @viniviolência hesitar, jogou o nome de Dona Dolores na jogada, apontou para o teto como quem diz “esse apartamento” e finalizou com: “você quer mesmo que sua mãe volte a ser doméstica, lá em Vila Valqueire?”.

No contrato, constavam alguns reels e alguns publiposts que ele deveria fazer mostrando os treinos e evidenciando que graças a bellalux 10 mg ele tinha conseguido voltar à ativa. Fanta gravava ele tomando o medicamento e atravessando algumas ruas no arredores do apartamento. Transmitiu uma travessia ao vivo, numa live, na Fradique Coutinho, onde alguns fãs vieram ver de perto. Teve gente que veio tirar foto. Vini V. sentiu sua vida voltando aos eixos. Mais fãs quiseram tirar fotos. Os comprimidos tinham acabado, e ele logo começou a ficar nervoso. Que gente chata do caralho! Ninguém sabia o tormento que ele tinha enfrentado até ali. Foi ficando irritado. Não sabia onde estava Fanta. Cadê ela, pra ir na farmácia pra ele? Não podia esperar. Começou a se desvencilhar das pessoas ao seu redor, e tentou apertar o passo, mas começou a sentir a dor voltando, dessa vez mais rápido que o normal, o corpo todo estalando, a sensação dos ossos em migalhas, e uma dor de cabeça infernal que parecia lhe cindir o crânio lá onde o traumatismo havia se instalado. Chegou na farmácia quase se arrastando, mas a atendente não quis vender porque a bellalux 10 mg era um remédio controlado, e ele estava sem a prescrição. Uma hora depois, quando Fanta finalmente resolveu o B.O. todo, ele não teve dúvidas, e enfiou 5 comprimidos de uma vez goela abaixo.

*

— Minha filha, ele não tá bem… Ele só quer saber de tomar esse remédio roxo…

— Dona Dolores, a senhora não entende, ele tá nervoso porque a competição tá chegando…

— Ele não pode ir nessa competição, minha filha, ele não tá bem. Eu tenho medo que ele se machuque de novo!

— Ele não vai se machucar, dona Dolores. Ele vai é ficar rico. E a senhora também, escreve o que eu tô te dizendo!

“…e eu também”, pensou Fanta. “E ela também…”, pensou Dona Dolores. Ambas em silêncio, esperavam @viniviolencia sair do quarto. Estava demorando mais que o habitual. A verdade é que as dores estavam voltando, a motivação se esvaindo, e o efeito do remédio durava cada vez menos. Mas ele tinha descoberto um modo bom de absorvê-lo mais rápido, intuição de quem já tinha feito muita experimentação na juventude: Vini V. macerava quatro pílulas com um copo, formando um montinho branco arroxeado e aspirava em duas carreiras de uma vez só. Era um delírio à jato. Uma suspensão. Era o avesso do corpo e a plenitude da existência, num eterno presente onde não havia dor, nem expectativa, nem travessia, nem nada. Mas logo esse eterno presente se desmantelava através dos minutos e ele voltava a sentir a presença do corpo e a voz daquela mina chata que era aquela tal de Fanta insistindo que ele fizesse isso, aquilo, mandando nele, obrigando ele a falar com quem quer que fosse. “Vinícius, vem logo experimentar o uniforme, o patrocinador quer a postagem ainda hoje…!”.

Foi sendo tomado por uma angústia tremenda, um misto de dor física e ansiedade. Pensou em como tudo começou, pensou em como havia chegado até ali. Viu, de relance, as lembranças de trás para diante, momentos antes, na Marginal Pinheiros, as últimas coisas que viu antes de ser atingido, o cabelo laranja reluzente de Fanta, a luz do sol. Depois sorriu e lembrou de Los Angeles, do encontro com @juansinojos, e o seu ídolo no Blind Crossing lhe dizendo: “¡Tu performance fue asombrosa! No pude verla, por supuesto, pero sentí desde lejos la fuerza de tu presencia”. Então soube que nunca mais seria o mesmo. Nem ele, nem o mundo ao seu redor. Nada, nada valia a pena ser visto. Ele jamais seria o mesmo. Jamais conseguiria disputar novamente o Blind Crossing. Só havia um único jeito.

*

No dia do campeonato regional, quando Fanta chegou no apartamento para buscar Vini, tudo estava um silêncio. Dona Dolores havia dito que estaria na igreja, rezando, porque ela nem queria ver o resultado. Havia feito o almoço, e havia se oferecido para costurar a camiseta com o logo da Quimera Farmacêutica, que o filho havia dito estar com um furo. Para isso ele pediu que ela emprestasse seu estojo de costura, mas dispensou a ajuda da mãe. Quanto Fanta foi se aproximando do corredor, ouviu o primeiro grito.

— Vinícius…? O que está acontecendo…?

Viu primeiro o piso de porcelanato, depois viu que na bancada estava uma cartela de bellalux 10 mg esvaziada, uns resquícios de pó arroxeado, depois olhou pra ele, os braços longos, estava tudo bem, estava inteiro, ela pensou, mas na extremidade dos braços longos uma das mãos tinha rastros de sangue e segurava uma agulha grossa.

— O que…? O que foi que você fez…?

— Tô pronto, meu amor. Pronto pra ganhar esse campeonato!

E o namorado, fazendo jus ao apelido violento, virou o rosto para ela, sorrindo, as pálpebras fechadas e duas lágrimas de sangue escorrendo de cada um dos seus olhos.

Ei, você chegou até o fim? Esse conto é parte de uma continuação do meu livro “Panaceia parafernália”. Como ele ainda está em processo, se você puder deixar seu comentário e alguns claps me ajuda muito a saber o que ainda precisa ser melhorado! Obrigado!

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Leo de Sá Fernandes

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